quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Onde foram parar os ideais?

Sempre foi característica dos jovens o entusiasmo e a vontade de mudança. Em vários momentos históricos, a juventude esteve à frente da construção de um mundo mais humano e feliz. Mas, com todo o esvaziamento de ideais que se deu no século XX, o que restou para muitos foram a alienação e o consumismo. Por incrível que pareça, o sentido da humanidade passou a ser o dinheiro e o consumo! Para preencher o vazio existencial, consome-se em excesso. Graças à tecnologia, uma quantidade imensa de bens materiais está a nossa disposição. Entretanto, comprar e consumir não satisfaz a busca do ser humano por um sentido.
As pessoas ganham dinheiro e consomem (pelo menos as que não são excluídas desse mecanismo injusto), mas nunca houve tanta solidão, insatisfação e infelicidade. É claro que há um consumo necessário á vida, mas a sociedade atual criou muitas necessidades que, no fundo, são dispensáveis.

Os ideais que fazem sentido

Sobre o sentido da vida, o físico Albert Einstein escreveu: Tem um sentido a minha vida? A vida de um homem tem sentido? Posso responder a tais perguntas se tenho espírito religioso. Mas, “fazer tais perguntas tem sentido?” Respondo: “Aquele que considera sua vida e a dos outros sem sentido é fundamentalmente infeliz, pois não tem motivo algum para viver” (Albert Einstein. Como vejo o mundo. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1981).
Do ponto de vista das religiões, o ser humano se esqueceu de que a felicidade está num mundo mais fraterno e não apenas no consumo obsessivo de bens materiais. Na verdade a vida nada mais é do que o amor a Deus ou a um ser superior, o cultivo de si mesmo e a bondade para com todas as criaturas. Somente quando nos harmonizarmos espiritualmente, a felicidade habitará nosso coração. Quando isso acontecer, conseguiremos construir o sonhado mundo de justiça, solidariedade e amor. Também para Sócrates o sentido da vida está na busca da divindade, no autoconhecimento e na bondade.
Para a maioria das religiões, o sentido da vida não está em ter determinadas coisas, mas em ser melhor e mais humano. Quais são os nossos ideais? O que buscamos construir na vida? O que fazemos por nossos semelhantes? Como buscamos Deus? Como assumimos nossa responsabilidade diante do mundo? O que somos na verdade?Recuperar os ideais do amor. De cuidado para a humanidade e a natureza, de paz e justiça, de fraternidade e liberdade é tarefa que cabe a todos Minimizar a dores do próximo e as misérias humanas, lutar por um mundo mais feliz. Assumir nossas responsabilidades para com Deus e a humanidade são os verdadeiros antídotos para os males humanos e a sensação de vazio que toma conta dos que perderam o sentido da vida. Referência Bibliografica: (INCONTRI, Dora; BIGUETO, Alessandro C. Todos os jeitos de crer: ensino inter-religioso. São Paulo: Ática, 2005.)
Atividades:
1- Responda as seguintes questões:
a) Baseando-se nas afirmações presentes neste texto, bem como nas informações contidas no texto "Qual é o sentido da vida? (lido em sala de aula)", pergunta-se: como podemos explicar o aumento do indice de depressão e angústia em meio a tantos benefícios provenientes desse forte desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido nos últimos anos?
b) Na sua opinião, a forma como os jovens estão buscando sentido para suas está contribuindo para o aumento da violência? Justifique.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

É possível uma sociedade justa?

Diego Bechi (diego_bechi@yahoo.com.br)
Professor de filosofia


Por meio desse texto, será possível refletir e opinar sobre problemas que envolvem o conceito “justiça”, trazendo a tona questões como: o que é justiça? Será que a consciência do justo é inata ou é apreendida por meio de convenções? A busca pela justiça é sempre justa? Ao seguir as leis, estamos necessariamente sendo justos? O que temos que levar em conta para julgar se algo é justo ou injusto? Quem é capaz de fazer esse julgamento? Ao analisar essas questões estaremos, ao mesmo tempo, adentrando na problemática relacionada à possibilidade ou não de existir uma sociedade justa.
Baseando-se em alguns dos significados presentes no dicionário digital “Aulete”, justiça significa “Situação em que cada um recebe o que lhe cabe, como resultado de seus atos ou de acordo com os princípios e a lei da sociedade em que vive”. Ao analisar essa interpretação, nos deparamos com alguns problemas que merecem ser apresentados. Logo no início, quando o mesmo salienta que justiça parte de uma situação em que cada um recebe o que lhes cabe, leva-nos a refletir sobre as seguintes questões: que critérios a pessoa que julgar tal ato deverá levar em conta? Existiria uma pessoa capaz de exercer tal função sem que suas decisões venham se tornar injustas? Seguindo o raciocínio, levando em conta agora toda resolução apresentada, pode-se dizer que ao seguir as leis impostas pela constituição, está-se fazendo um julgamento justo? Deve-se levar em conta apenas os resultados dos seus atos ou a sua intenção ou até mesmo os por quês que motivaram o sujeito a praticar determinada atitude? De que princípios o julgamento deve partir?
Segundo Abrão Iuskow, “justiça é aquilo que está conforme o direito” (1998, p. 191). Contudo, ao se referir a palavra direito Iuskow nos apresenta dois viés para entender a palavra direito: Direito Natural e Direito Positivo. Esse último está submetido ao respeito às leis escritas. Já o Direito Natural está relacionado à própria noção de justiça. Ela surge, nesse caso, como uma disposição inata nos seres humanos. Isto é, “existe em virtude da própria natureza humana, uma ordem ou disposição que a razão humana pode descobrir, e segundo a qual a vontade humana deve atuar para se acordar com os fins necessários dos seres humanos” (IUSKOW, 1998, p. 191).
Com essa afirmação Iuskow busca nos informar que somos dotados naturalmente, com ajuda da razão, da capacidade de distinguir uma situação injusta. Para ele, da mesma forma que conseguimos perceber o sabor dos alimentos, há sensores naturais que possibilitam ao ser humano perceber quando determinadas atitudes tornam-se injustas. Nesse caso, podemos utilizar como exemplos atitudes como “furar a fila”. Não é necessário alguém nos ensinar que para uma fila se manter numa ordem justa é preciso que o último a chegar permaneça em seu devido lugar, evitando passar na frente de quem chegou antes. No momento que essa ordem for quebrada, o senso de justiça é despertado, mesmo que o sujeito prejudicado não tenha sido anteriormente instruído.
Tendo em vista isso, pode-se dizer que o direito positivo (lei escrita) possui seu conteúdo calcado sobre o senso racional de justiça. Isto é, as leis que existem estão intimamente relacionadas à noção natural que podemos ter sobre a justiça. Isso acontece pelo fato de as leis escritas não conseguirem, por si sós, garantir que uma decisão seja necessariamente justa. O direito positivo surge como um meio de tornar visível e prática a busca pela justiça. Porém, esse não deve ser o único meio a ser utilizado ao buscar resolver um problema em que esse conceito está em jogo. Para Iuskow, “(...) uma coisa não é justa porque é lei, mas sim que deve ser lei porque é justa (1998 p. 192). A prática da justiça requer algo mais que o simples seguimento das leis, ela requer, do ser humano, sensibilidade em analisar os fatos, levando em conta o contexto e os motivos pelos quais resultou um determinado acontecimento.
Olinto Pegoraro chega a salientar, baseando-se na filosofia clássica, que a justiça caracteriza-se como sendo a virtude da coletividade. Levando em conta essa afirmação, o ser humano somente pode ser considerado virtuoso porque exerce uma função política e social. Ou seja, “ninguém é virtuoso para si, mas em relação aos outros” (1995, 103). Mesmo que os seres humanos sejam dotados de um núcleo subjetivo e único, como é o caso da consciência e a liberdade que cada um possui, o sujeito deverá guiar suas ações tendo em vista o coletivo. È necessário que as escolhas subjetivas estejam de acordo com o bem social, abrindo espaço para a prática da justiça e consequentemente o surgimento dos princípios éticos. Isso porque, conforme salienta Pegoraro “(...) para a filosofia contemporânea e clássica a ética consiste na convivência social e justa de seres humanos, formados para o respeito dos semelhantes e das coisas que lhes pertencem” (1995, p. 103).
Tendo em vista isso, pode-se levantar a seguinte questão: de que forma o seguimento rigoroso das leis poderá promover a justiça se essa levar em conta apenas as ações subjetivas sem precaver-se das necessidades sociais pelas quais resultaram determinadas ações? Assim sendo, tanto os sujeitos particulares quanto as próprias leis devem levar em conta o social. Segundo Pegoraro, “(...) na convivência social justa o homem chega à perfeição de si mesmo” (1995, p. 103). Porém, devido os diversos problemas presentes diariamente em nossa sociedade, somente levando em conta o social é que as leis poderão caminhar em direção à sua perfeição.
Outro significado encontrado no dicionário “Aulete digital” parte de um ordenamento social onde a igualdade é o princípio da justiça. Nele está descrito que a justiça se refere ao “funcionamento harmonioso de uma sociedade, com direitos e deveres iguais para todos os cidadãos”. Nesse sentido, Pegoraro afirma que a justiça “é o princípio da ordem pública” (1995, p. 104). Contudo, ele busca desdobrá-la em duas vertentes: a vida segundo a justiça e a vida social justa. No primeiro caso, a justiça está embasada nos princípios subjetivos de cada indivíduo envolvido. Porém, essas decisões provenientes dos sujeitos particulares devem ser aceitas por todos os atores sociais. Tendo em vista isso, os sujeitos devem respeitar, conhecer e proteger os direitos decorrentes do nascimento humano. Valoriza-se, nesse caso, o direito igual à vida, à educação da vida, à vida saudável, a participação na vida política, a distribuição dos bens materiais e culturais que alimentam a vida. Para Olinto, “estes direitos não se conquistam; são dados pelo nascimento” (1995, p. 105).
Se nessa primeira vertente Pegoraro destaca o papel do subjetivo ao buscar executar ações justas, na segunda ele passa a por em jogo o coletivo. Esse segundo princípio é formulado da seguinte forma: “devemos criar uma ordem social onde a cidadania seja plena e universal” (1995, p. 106). Nesse sentido, a cidadania não é dada apenas pelo nascimento, mas é resultado da participação efetiva do ser humano na vida política e social a ponto de lutar para a construção de estruturas sociais justas. Enquanto nossas estruturas sócio-políticas continuarem excluindo milhões de pessoas dos benefícios humanos básicos, como é o caso da miséria, fome, analfabetismo, sem-teto entre outros problemas, não haverá uma ordem social onde a justiça prepondere.
Tendo em vista toda essa preocupação com o social ao buscar extinguir as desigualdades, pergunta-se: é possível uma sociedade justa em meio a tantas desigualdades? Podem as desigualdades deixar de ser injustas? Parece-nos, até então, que acabar com a desigualdade é a receita para uma sociedade justa. O problema é que, conforme salienta Pegoraro, “as desigualdades são uma realidade irrecusável” (1995, p. 107). Se partirmos somente pelo viés de que para haver justiça é preciso combater as desigualdades, jamais haverá uma ordem social justa. Em toda história existiram desigualdades e por estarmos inseridos em famílias, culturas e condições sociais desiguais ela é inevitável. O que poderá haver é uma forma de administrar as desigualdades por meio da justiça social. Isso porque, “a justiça social não admite que as desigualdades sejam injustas” (PEGORARO, 1995, p. 107).
Assim sendo, não é preciso que haja uma igualitação das condições sociais para que a sociedade se desenvolva de forma justa. Isso porque, se assim for, a justiça será reprimida. È preciso, mesmo em meio a desigualdades, que os sujeitos disponham de liberdade para desenvolver suas potencialidades. Se não há condições sociais iguais é preciso que a justiça social administre as desigualdades de forma que os talentos das pessoas não sejam reprimidos. A injustiça está presente na vida social quando não há estruturas que garantam a todos os cidadãos oportunidades de evoluir em suas condições históricas. Para Pegoraro, “a injustiça social consiste: a) em negar a alguém a oportunidade de progredir em sua vida; b) em criar estruturas de exclusão; c) em evitar a criação de estruturas de promoção das pessoas” (1995, p. 107).
Ao garantir aos sujeitos a liberdade e os meios necessários para que possam desenvolver seus talentos, está-se, ao mesmo tempo, incentivando a desigualdade entre os sujeitos envolvidos. Isso decorre do fato de que há pessoas que possuem mais talentos e capacidades de progredir que outros. Por isso, pergunta-se: seria justo reprimir os talentos para poder então dispor de uma sociedade com um nível menor de desigualdade? Segundo a idéia aqui defendida, a resposta seria negativa. Nossa condição histórica e cultural não permite que as desigualdades sejam extintas. Pode-se até pensar que, pelo fato de haver pessoas com mais habilidades que outras, as injustiças e desigualdades aumentariam. Contudo, a idéia defendida não parte do princípio que a desigualdade seja excluída do sistema social, mas está-se referindo ao deixar todas as pessoas no mesmo patamar de condições. “(...) não é preciso nivelar todos os cidadãos no mesmo patamar; é preciso sim, que as condições de realização se estendam a todos incondicionalmente” (PEGORARO, 1995, p. 108).
Portanto, somente por meio da educação será possível romper com séculos de injustiças pelas quais atingiram milhões de pessoas. Há várias gerações pessoas vêem sofrendo por não possuírem as condições mínimas e necessárias para obter uma vida digna de ser vivida. Sem emprego, educação e saúde torna-se impossível que tais pessoas venham a atingir suas potencialidades. Nesse caso, a sociedade não lhes oferece as condições sociais para crescer conforme seus talentos. Com isso, Pegoraro salienta que a educação é o principal fator para que a sociedade venha dispor de uma ordem social justa. Todo esse problema só será resolvido “pela educação à cidadania que leva as pessoas e comunidade à participação política. Essa conscientização garante também o acesso a uma justa repartição dos bens materiais” (1995, p. 108).
Diego Bechi

Referências Bibliográficas


PEGORARO, Olinto A. Ética e justiça. Petrópolis: Vozes, 1995.


IUSKOW, Abrão. Cidadão de alto nível. Florianópolis: Sophos, 1998.

sábado, 2 de maio de 2009

Como mentir dizendo apenas verdades



Gerson Luís Trombetta (gersont@upf.br)
Professor do curso de Filosofia e do PPG em História da UPF


De todas as fronteiras que separam um conceito de outro, sem dúvida a que se encontra entre a verdade e a mentira é uma das mais tênues e quase indefiníveis. São tantas as questões e sutilezas que aparecem quando queremos precisar tais conceitos que, não muito raro, simplesmente “entregamos os pontos” e dizemos coisas como “Ah, a verdade não existe” ou “Tudo é relativo e depende do ponto de vista”. Uma coisa, porém, é certa: precisamos admitir que algo verdadeiro existe. Se fosse verdade que “a verdade não existe”, então teríamos que concordar que a verdade existe, afinal acabamos de sustentar uma frase verdadeira. Estranho, não é? Quanto mais se procura negar a existência da verdade mais ela reaparece fortalecida pela porta dos fundos. Bom, se a verdade existe, resta saber o que ela é, ou, em outras palavras, resta saber o que faz algo (uma afirmação, uma teoria, uma história, etc.) ser verdadeiro. Aí os problemas ficam mais e mais complexos. As afirmações que fazemos, as teorias que propomos, as histórias que contamos, as explicações que construímos, guardam fortemente a marca de nossos interesses e inclinações. Quando narramos um acontecimento, por exemplo, preenchemos lacunas, acentuamos ou esquecemos detalhes, apontamos para ligações com outros fatos e assim por diante. Não há como desenharmos o acontecimento desconectando-o de nossos exageros e deficiências. O que fazemos, então, são composições. Organizamos narrativas de tal forma que façam sentido, que possam ser compreendidas pelos outros e, se estivermos dispostos a um pouco de honestidade, que possam também ser questionadas ou desmentidas. Pelo fato de serem composições, tais narrativas não se baseiam integralmente em dados objetivos e concretos. Existem esses dados, existem indícios concretos, mas é a composição que fascina, é o modo como a composição é feita e a direção para onde ela aponta que produz os efeitos mais fortes. Às vezes é até possível produzir uma composição falsa com dados inquestionavelmente verdadeiros. Para ilustrar essa estranha possibilidade proponho uma rápida visita à peça Otelo, de Willian Shakespeare. Iago, o personagem central da tragédia, é um dos mais infames vilões da história da literatura. Inteligente, simpático e egoísta, ele conhece profundamente a natureza humana, principalmente os seus recantos mais obscuros. Movido pela decepção de não ser nomeado tenente por Otelo, arquiteta um plano de vingança cuja essência é enlouquecer o mouro (Otelo) de ciúmes do rival Cássio. O vilão, valendo-se da confiança que Otelo deposita nele, vai construindo uma narrativa que explicita uma suposta ligação amorosa entre Desdêmona – mulher de Otelo – e Cássio. O desfecho da história é trágico, com Otelo matando Desdêmona e suicidando-se depois de saber que não havia adultério. O que gostaria de destacar dessa intrigante peça é o método como Iago procede para conduzir a trama e realizar o seu plano. Iago usa dois ingredientes básicos: indícios materiais, inquestionavelmente verdadeiros (as demonstrações públicas de amizade entre Desdêmona e Cássio, um lenço deixado no alojamento do oficial, etc.), e o ciúme de Otelo. O sentimento de Otelo alimenta-se da incerteza e da dúvida. Como não sabe se há realmente um caso de traição, o mouro vê seu ciúme crescer até explodir em violência. A composição trágica é, assim, formada por pequenas verdades (indícios materiais) que, nas mãos hábeis de Iago, são insistentemente repetidas e amalgamadas com o ciúme extremo de Otelo. Com pequenas verdades, astúcia e conhecimento da alma humana, Iago produz uma grande mentira e, finalmente, realiza a vingança. (Qualquer semelhança entre a saga de Iago e o que vemos na mídia, nos debates políticos, nos julgamentos e até nas práticas cotidianas, pode não ser mera coincidência).

A importância do diálogo no desenvolvimento de uma prática pedagógica ética

[1] Diego Bechi (diego_bechi@yahoo.com.br)
Professor de Filosofia

O presente texto pretende investigar um dos requisitos necessários para que o educador consiga desenvolver uma prática pedagógica ética. Será defendido neste texto a idéia de que o processo pedagógico, para ser ético, deve estar ancorado em uma metodologia democrática. Essa prática torna-se ética devido à liberdade dada ao aluno para que ele encontre por si mesmo respostas aos problemas a serem resolvidos, possibilitando-lhe o desenvolvimento de uma postura crítica e autônoma, dentro e fora da escola.
Nessa perspectiva, mesmo havendo uma certa diferença de papéis entre educador e educando, onde o primeiro possui de forma instituída poder em relação ao segundo, os educadores não devem se apresentar em sala de aula como autoridade incontestável, detentor de todo o conhecimento. O fato de o professor possuir maior autoridade em relação a seu aluno, não quer dizer que deva exercer sua função de forma autoritária. Ele deve respeitar a liberdade e a dignidade de seus alunos. A prática pedagógica deve ser integradora e libertadora rumo ao progresso e realização do homem. Assim, a educação torna-se também um ato político, pois, nesta perspectiva, o trabalho educativo é essencialmente político quando é transformador.
Tendo em vista isso, há a necessidade de se estabelecer um processo dialógico em sala de aula, pois é por meio de uma prática dialógica que será possível desenvolver nos participantes a capacidade de posicionar-se criticamente diante das exigências da sociedade atual. Essa, por sua vez, vem permeada de acontecimentos e informações, na maioria das vezes disseminadas pela mídia, as quais buscam iludir e direcionar os sujeitos a um determinado fim. Com o poder exercido pelos meio meios de comunicação, somados à grande facilidade em receber informações referentes aos diferentes campos do saber, muitas pessoas estão tornando-se incapazes de refletir sobre os fatos que as cercam. Num contexto como esse, as pessoas ficam à mercê de ideologias que, de alguma forma, vêm a torná-las alienadas e submissas à suas forma de pensar e aos seus interesses.
Para isso, é necessário superar o senso comum, onde as informações são automaticamente assimiladas pelo sujeito, assumindo uma postura crítica e reflexiva sobre as mesmas. Em vista disso, a educação deve ajudar o aluno a compreender as artimanhas dos discursos enganadores. Os sujeitos devem ser capacitados para que possam questionar e interagir criticamente com os acontecimentos e informações deparadas no dia-a-dia. Contudo, os educandos não devem ser vistos como meros receptores de informações, e sim como agentes ativos na construção de seus próprios conhecimentos.
A educação é, neste caso, condição para o desabrochar das potencialidades dos sujeitos, desenvolvendo, nos mesmos, capacidade que cada homem ter de buscar ser mais. Isto é, de reconhecerem-se como homens em sua vocação ontológica e histórica de humanização. Reconhecer que seus conhecimentos e o dos outros não são auto-suficientes e únicos, que é preciso deixar de aceitar tudo de forma passiva como verdadeiro, tornando-se mais crítico e reflexivo em relação aos problemas que o envolvem.
No processo pedagógico, tem-se a educação como um ato político que deve ser necessariamente humanizador, e isso somente é possível por meio de uma prática pedagógica democrática. A educação baseada apenas na memorização de conteúdos não prepara os alunos para serem sujeitos ativos no mundo, mas o transforma em mero espectador ou imitador desse. Ela não sujeita ao educando a possibilidade de criar, construir, admirar e aventurar-se. Porém, num processo democrático, desenvolvido por meio de uma prática dialógica, os alunos possuem liberdade e são instigados a se expressar, criticar, problematizar e comparar opiniões, desenvolvendo neles a capacidade de pensar por si mesmos. Essa metodologia ao ser executada, além de resultar em um ato político, pois direciona o sujeito à sua humanização, também dispõe de uma formação ética por parte do professor.

[1] Resumo do artigo proferido por Diego Bechi no CONGRESSO INTERNACIONAL DE FILOSOFIA: DEBATES DE IDÉIAS E CIDADANIA, no VIII SIMPÓSIO SUL BRASILEIRO SOBRE ENSINO DE FILOSOFIA: FILOSOFIA, FORMAÇÃO DOCENTE E CIDADANIA e no X ENCONTRO DE CURSOS DE FILOSOFIA DO SUL DO BRASIL, realizado no período de 14 a 16 de maio de 2008 em Caxias do Sul.

quinta-feira, 30 de abril de 2009

Atividades "Paz e Justiça social"

No decorrer das aulas em que trabalhamos o tema "Paz e justiça social" realizamos algumas atividades, entre elas: ouvimos e debatemos a música "Muros e Grades - Engenheiros do Hawaii", assistimos o vídeo "Segurança fruto da justiça", além do estudo de alguns textos relacionados a esse tema. Tendo por base o trabalho até então realizado, execute as seguintes atividades:
- Exponham as questões elaboradas subjetivamente na aulo do dia 23-04, nas quais estavam embasadas no vídeo "Segurança fruto da justiça";
- Responda a seguinte questão: você concorda com a opinião de Arnaldo Jabor quando ele afirma que a violência tem vida própria? Se assim for, é possível criarmos uma cultura de paz?
- Atividade conclusiva: Elabore um texto sistematizando as idéias e conhecimentos expostos até o momento. Busque utilizar as questões recém apresentadas que estiverem relacionadas ao problema base do trabalho, a fim de respondê-las. Enfim, o texto deverá estar ancorado no seguinte tema: "Paz é fruto da justiça"
Perguntas que poderão auxiliar:
- É possível uma sociedade justa onde prepondere a paz?"
- Quais são os empecilhos que prejudicam a criação de uma cultura de paz?
- Quais são as possíveis ações a serem realizadas?
- Por que há injustiças?
- Quais são as causas da violência?
- Como ela pode ser combatida?

Vídeo: Arnaldo jabor e as causas da violência
http://www.youtube.com/watch?v=IVWJLrmXg3Y

segunda-feira, 27 de abril de 2009

A sobreposição do estético sobre o ético e suas conseqüências

Diego Bechi
O termo estética, assumido neste ensaio, deriva-se do grego aisthesis, aisthetón, pelo qual assume um duplo significado: “a) a experiência de ser internamente afetado por algo externo; b) experiência com certos objetos que se dirigem especialmente aos nossos sentidos” (TROMBETA, 2005, p. 229). Sendo um dos ramos tradicionais do ensino da filosofia, o termo estética foi criado por Baumgarten no século XVIII para designar o estudo da sensação, “a ciência do belo”, estando intimamente relacionado àquilo que agrada aos nossos sentidos. Tendo em vista isso, qual é a receptividade das pessoas e o papel assumido pelo estético nos dias atuais?
Basta dar uma olhada a tudo aquilo que nos cerca para percebermos que as questões estéticas estão sendo mais valorizadas hoje que antigamente. Isso advém do fato de grande parte dos produtos que estão nas prateleiras possuírem embalagens chamativas, atraindo muito os jovens e adolescentes, a faixa etária onde o consumo é mais intenso. Além disso, a propaganda nos meios de comunicação de massa influencia o modo de pensar dos sujeitos, criando nos mesmos a esperança de que ao consumirem determinados produtos estarão a garantir a felicidade que tanto desejam.
Por esses e por outros motivos, o século XXI está marcado por uma distorção total do que é o verdadeiro sentido da vida. Isto é, vive-se uma época em que grande parte da população está colocando o estético na linha de frente da organização da vida. Se antigamente os principais modelos de vida eram os dos santos e intelectuais dignos de serem prestigiados e reverenciados, hoje o que importa é manter a beleza. Para possuir uma vida que vale a pena ser vivida, deve-se possuir o peso, a altura e as curvas do corpo conforme os (as) modelos apresentados (as) pela mídia. Deve-se também, seguir as tendências da moda oferecida pela mesma. Infelizmente, o modelo estético está se sobrepondo ao ético. O que importa não é mais o bom, e sim o belo. Se antes uma parcela significativa da população seguia os patamares éticos utilizados por Jesus Cristo, hoje as gerações atuais seguem os parâmetros estéticos presentes nas top models. Enquanto houve pessoas que perderam suas vidas promovendo o bem e a justiça social, houve também aqueles (as) que perderam suas vidas apenas pela ilusão de ser feliz, seguindo um modelo de vida baseado na beleza, em padrões estéticos impostos pelas agências de moda e por grande parte da mídia.
A razão é que há uma inversão visível entre ser e aparecer. Muitos planejam encontrar sentido para suas vidas não mais na busca por um mundo melhor, através de uma convivência saudável com as demais pessoas, seguindo uma religião, promovendo amor e alegria a seus semelhantes, mas sim em possuir um celular com câmara, um carro do ano, um vestido igual àquele que a colega possui. Não que possuir esses produtos seja errado, mas o problema surge quando o sujeito passa a priorizar a aquisição de bens, como se esse fosse o único meio para conquistar a felicidade, omitindo os valores humanos. O que importa, neste caso, é a realização de seus próprios desejos estéticos, independente se há pessoas necessitadas dormindo pelas calçadas.
Além do mais, essa forte valorização do estético restringe os indivíduos a apenas um tipo de satisfação. Essa satisfação, por sua vez, vem marcada pelo individualismo e pelo gozo sem conseqüência. Isso gera, conforme salienta Trombetta, o que podemos chamar de embrutecimento estético, pois, usando suas próprias palavras, “uma vez que os estímulos estéticos convidam simplesmente ao agrado e a satisfação imediata, o resultado é a perda de sensibilidade e interesse por aquilo que não é mais capaz de atender ao desejo narcisista” (2005, p. 238). Essa visão individualista e a busca pela satisfação imediata, é que leva muitos adolescentes a colocarem suas próprias vidas e a dos outros em risco unicamente para adquirir um determinado objeto, que lhe trará uma satisfação momentânea.
O problema maior surge quando tais pessoas, alienadas pelo consumismo, passam a julgar as demais pela sua aparência ou até mesmo pelo que elas possuem, independente de seus sentimentos e intenções. Isso faz com que se originem o desrespeito e a discriminação daqueles que não se enquadram às suas exigências estéticas. Há, nessa cultura, um certo imediatismo, tanto nos desejos, quanto nos julgamentos, sem prever conseqüências ou resultados a longo prazo.
Logo, a busca por aquilo que agrada aos nossos sentidos, é um dos meios para poder obter uma vida digna ser vivida, mas não a única. De forma alguma pode-se descartá-la, mas ao mesmo tempo deve-se buscar algo que fortaleça a nossa alma, para não nos tornarmos embrutecidos frente ao mundo e a nossos semelhantes, dando um verdadeiro sentido às nossas vidas. Não podemos confundir o narcisismo, entendido como necessidade constante de admiração alheia, como sinônimo de amor próprio, mas ao contrário, caracteriza-se como ausência de auto-estima. Trata-se de uma pessoa que precisa do outro para manter a sua auto-imagem, retirando desse aquilo que lhe falta. Por isso, pode-se dizer que as pessoas dependem, para viver em paz consigo mesmas, não apenas do estético, daquilo que agrada nossos sentidos, mas também do ético e da convivência fraterna, pois, conforme salienta Savater, “dar-se uma vida boa não pode ser muito diferente, afinal, de dar uma vida boa” (2004, p. 76 – grifo do autor). É preciso tratar os nossos semelhantes como gostaríamos de ser tratados e não como simples coisas, como simples meios para adquirirmos nossos desejos narcisistas, pois somente por meio de uma boa convivência poderemos receber aquilo que nos satisfaz realmente, o respeito, a amizade e o amor.
Referencias bibliográfica
TROMBETTA, Gerson L. Da estetização do mundo ao embrutecimento estético: notas sobre a relação entre experiência estética e educação. In: RIBAS, Maria A. C.; MELLER, Marisa C; RODRIGUES, Ricardo A.; GONÇALVES, Rita A.; ROCHA, Ronai P. (org.). Filosofia e ensino: a filosofia na escola. Ijuí: Unijuí, 2005. p. 229-242.
SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Quem tem fez por merecer?


Ediovani Antonio Gaboardi
(gaboardi@upf.br)
Professor do curso de Filosofia da UPF

O desenvolvimento de uma sociedade depende da distribuição justa dos benefícios produzidos. Só vou trabalhar se tiver a esperança de que serei recompensado adequadamente pelo meu esforço. Se eu perceber que não é pelo trabalho que as pessoas são bem-sucedidas em minha sociedade, então vou renunciar também ao trabalho e procurar outras maneiras de obter sucesso. É de se esperar que qualquer indivíduo faça o mesmo, desde que tenha liberdade e seja suficientemente esperto para perceber como as coisas funcionam.
Mas como medir o mérito das pessoas? Como comparar ações tão diferentes quanto compor uma música, construir uma casa ou preparar uma refeição? E, pior, o mérito não pode basear-se apenas no bem que a ação produz à sociedade, mas também no grau de esforço que ela exige – senão ninguém assumirá aquelas tarefas igualmente úteis, mas mais difíceis.
Trocamos nossa força de trabalho com outros por meio do dinheiro e determinamos o valor de nosso trabalho pela lei da oferta e da procura. Supomos assim que o que é mais útil e mais difícil de realizar será também o mais valorizado. Assim, para conhecer o mérito de uma pessoa, basta olhar seus bens: quem tem mais fez por merecer.
No fundo, aceitamos essa regra econômica porque ela é em tese a expressão concreta do princípio mais elementar da moral, a justiça, que significa desde a Grécia clássica “dar a cada um o que é seu de direito”. Supomos, assim, que as pessoas no início da vida são livres e iguais. Algumas decidem sair do comodismo e trabalhar, gerando bens e serviços que são úteis para os demais, e por isso devem receber a sua parte da riqueza total. Outras decidem não colaborar e, por isso, não merecem nada. Aqui vale aquela máxima: “Quem não trabalha não come”.
Mas será que essa teoria explica mesmo a vida real? Será que recebemos aquilo que merecemos? Será que temos liberdade para decidir que trabalho realizar? Será que aquela igualdade de ponto de partida existe em nossa sociedade, e aquilo que a pessoa consegue na vida é mérito exclusivo seu? Será que os bens que as pessoas têm expressam o mérito que possuem?
Para alguns, essas questões são reinações de quem só sabe reclamar e não quer trabalhar. Para outros, expressam o mal fundamental que impede que as pessoas se desenvolvam. Para uns, a frase “quem tem fez por merecer” é a mais pura verdade. Para outros, o último grau da hipocrisia humana. Como diz o ditado, “quem bate nunca se lembra, quem apanha jamais esquece.” Ou seja, essa diferença de opinião, em vez de relativizar a resposta, torna-a ainda mais evidente. Pelo menos se não tivermos aquela clareza moral de Solon (640 a 558 a.c): “Haverá justiça no mundo somente quando aqueles que não forem injustiçados se sentirem tão indignados quanto aqueles que o forem”.
A justiça é o que torna possível a vida civilizada. Então, “quando a verdade não mais valer. Quando ter caráter só comprometer. [...] Haiô, Haiô Silver!” (IRA, Haiô silver!)


1- Na sua opinião, as pessoas recebem aquilo que realmente merecem? Justifique sua resposta exemplificando?
2- Você acredita que o trabalho de um gerente é mais digno que o trabalho de um pedreiro?
3- Busque explicitar a seguinte afirmação: “para conhecer o mérito de uma pessoa, basta olhar seus bens: quem tem mais fez por merecer”. Será que os bens que as pessoas têm expressam o mérito que possuem?Se você tivesse a função de medir os méritos de cada um, dando a eles o que realmente merecem, que critérios levaria em conta para fazer tal avaliação?

A justiça é o poder dos mais fortes?

A justiça é o poder dos mais fortes

Marcio Soares
(soares@upf.br)
Professor do curso de Filosofia da UPF

Nestas últimas duas semanas, foi motivo de polêmica uma operação da PF (Polícia Federal) que resultou na prisão de banqueiros, empresários e até um ex-prefeito da maior cidade do Brasil, todos acusados de corrupção, formação de quadrilha e desvio de dinheiro público. As operações da PF foram filmadas e veiculadas em rede nacional. Como em todas as operações policiais similares, os acusados foram algemados e conduzidos em carros da própria PF até a sua carceragem. Evidentemente, as imagens de gente famosa e muito rica sendo presa foram amplamente exploradas pela televisão.
Contudo, a polêmica se deu entre as grandes autoridades do país que comentaram publicamente as prisões. De um lado, um ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) queixou-se da arbitrariedade da PF e do abuso de autoridade no uso de algemas. De outro, o ministro da Justiça ponderou que a PF apenas exerceu seu papel ao algemar os acusados. Até mesmo o presidente da República comentou o caso do abuso de autoridade no uso das tais algemas nessa operação. E, para aumentar a polêmica, gravações telefônicas feitas pela PF, publicamente veiculadas, mostram os acusados falando das facilidades de se safarem das acusações no STF.
Houve, ainda, uma queda de braço pública entre um ministro do STF, que mandou soltar alguns acusados (os mais ilustres), e o juiz que decretara as prisões, que as ordenou novamente. Para completar o quadro, os delegados da PF envolvidos pediram afastamento do caso, e alguns dos advogados dos ilustres acusados queixaram-se do “estado de polícia” que o Brasil se tornou, referindo-se às operações da PF.
Tudo isso é de domínio público e parece confirmar a opinião comum de que a justiça é discriminatória e trata ricos e pobres de maneira desigual. Ora, os brasileiros assistem diariamente a cenas de operações policiais nas periferias das cidades: traficantes e bandidos em geral são algemados e conduzidos em camburões da polícia de forma bem menos confortável do que os ilustres presos pela PF. Mas há uma diferença: eles são pobres, traficantes, assaltantes, arrombadores, e não banqueiros, empresários ou políticos. Em síntese, nunca ouvimos qualquer polêmica entre grandes autoridades do país sobre o abuso policial no uso de algemas quando se trata da prisão de pobres.
A polêmica brasileira parece ter sido representada filosoficamente pelo pensador grego Platão, em sua obra A República. Logo no primeiro capítulo do diálogo, o sofista Trasímaco defende que a justiça não passa do poder dos mais fortes, que manipulam o Estado e constroem leis a favor de seus interesses. Sócrates, o grande personagem de Platão, combate Trasímaco argumentando que não cabe ao homem justo praticar a injustiça e que a injustiça só torna os homens piores. Nesse ponto, temos de concordar com Sócrates: a injustiça oficiosa, no Brasil, tem tornado os brasileiros piores, moralmente piores. Ou será que a cultura da corrupção e do famoso “jeitinho” é um “fenômeno inexplicável”?

Dicas de leitura:

PLATÃO. A República. Tradução de Maria H. da R. Pereira. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian. (sobretudo o Livro/capítulo I).
PLATÃO. Górgias. Tradução de Manuel de O. Pulquério. Lisboa: Edições 70.