Diego Bechi
O termo estética, assumido neste ensaio, deriva-se do grego aisthesis, aisthetón, pelo qual assume um duplo significado: “a) a experiência de ser internamente afetado por algo externo; b) experiência com certos objetos que se dirigem especialmente aos nossos sentidos” (TROMBETA, 2005, p. 229). Sendo um dos ramos tradicionais do ensino da filosofia, o termo estética foi criado por Baumgarten no século XVIII para designar o estudo da sensação, “a ciência do belo”, estando intimamente relacionado àquilo que agrada aos nossos sentidos. Tendo em vista isso, qual é a receptividade das pessoas e o papel assumido pelo estético nos dias atuais?
Basta dar uma olhada a tudo aquilo que nos cerca para percebermos que as questões estéticas estão sendo mais valorizadas hoje que antigamente. Isso advém do fato de grande parte dos produtos que estão nas prateleiras possuírem embalagens chamativas, atraindo muito os jovens e adolescentes, a faixa etária onde o consumo é mais intenso. Além disso, a propaganda nos meios de comunicação de massa influencia o modo de pensar dos sujeitos, criando nos mesmos a esperança de que ao consumirem determinados produtos estarão a garantir a felicidade que tanto desejam.
Por esses e por outros motivos, o século XXI está marcado por uma distorção total do que é o verdadeiro sentido da vida. Isto é, vive-se uma época em que grande parte da população está colocando o estético na linha de frente da organização da vida. Se antigamente os principais modelos de vida eram os dos santos e intelectuais dignos de serem prestigiados e reverenciados, hoje o que importa é manter a beleza. Para possuir uma vida que vale a pena ser vivida, deve-se possuir o peso, a altura e as curvas do corpo conforme os (as) modelos apresentados (as) pela mídia. Deve-se também, seguir as tendências da moda oferecida pela mesma. Infelizmente, o modelo estético está se sobrepondo ao ético. O que importa não é mais o bom, e sim o belo. Se antes uma parcela significativa da população seguia os patamares éticos utilizados por Jesus Cristo, hoje as gerações atuais seguem os parâmetros estéticos presentes nas top models. Enquanto houve pessoas que perderam suas vidas promovendo o bem e a justiça social, houve também aqueles (as) que perderam suas vidas apenas pela ilusão de ser feliz, seguindo um modelo de vida baseado na beleza, em padrões estéticos impostos pelas agências de moda e por grande parte da mídia.
A razão é que há uma inversão visível entre ser e aparecer. Muitos planejam encontrar sentido para suas vidas não mais na busca por um mundo melhor, através de uma convivência saudável com as demais pessoas, seguindo uma religião, promovendo amor e alegria a seus semelhantes, mas sim em possuir um celular com câmara, um carro do ano, um vestido igual àquele que a colega possui. Não que possuir esses produtos seja errado, mas o problema surge quando o sujeito passa a priorizar a aquisição de bens, como se esse fosse o único meio para conquistar a felicidade, omitindo os valores humanos. O que importa, neste caso, é a realização de seus próprios desejos estéticos, independente se há pessoas necessitadas dormindo pelas calçadas.
Além do mais, essa forte valorização do estético restringe os indivíduos a apenas um tipo de satisfação. Essa satisfação, por sua vez, vem marcada pelo individualismo e pelo gozo sem conseqüência. Isso gera, conforme salienta Trombetta, o que podemos chamar de embrutecimento estético, pois, usando suas próprias palavras, “uma vez que os estímulos estéticos convidam simplesmente ao agrado e a satisfação imediata, o resultado é a perda de sensibilidade e interesse por aquilo que não é mais capaz de atender ao desejo narcisista” (2005, p. 238). Essa visão individualista e a busca pela satisfação imediata, é que leva muitos adolescentes a colocarem suas próprias vidas e a dos outros em risco unicamente para adquirir um determinado objeto, que lhe trará uma satisfação momentânea.
O problema maior surge quando tais pessoas, alienadas pelo consumismo, passam a julgar as demais pela sua aparência ou até mesmo pelo que elas possuem, independente de seus sentimentos e intenções. Isso faz com que se originem o desrespeito e a discriminação daqueles que não se enquadram às suas exigências estéticas. Há, nessa cultura, um certo imediatismo, tanto nos desejos, quanto nos julgamentos, sem prever conseqüências ou resultados a longo prazo.
Logo, a busca por aquilo que agrada aos nossos sentidos, é um dos meios para poder obter uma vida digna ser vivida, mas não a única. De forma alguma pode-se descartá-la, mas ao mesmo tempo deve-se buscar algo que fortaleça a nossa alma, para não nos tornarmos embrutecidos frente ao mundo e a nossos semelhantes, dando um verdadeiro sentido às nossas vidas. Não podemos confundir o narcisismo, entendido como necessidade constante de admiração alheia, como sinônimo de amor próprio, mas ao contrário, caracteriza-se como ausência de auto-estima. Trata-se de uma pessoa que precisa do outro para manter a sua auto-imagem, retirando desse aquilo que lhe falta. Por isso, pode-se dizer que as pessoas dependem, para viver em paz consigo mesmas, não apenas do estético, daquilo que agrada nossos sentidos, mas também do ético e da convivência fraterna, pois, conforme salienta Savater, “dar-se uma vida boa não pode ser muito diferente, afinal, de dar uma vida boa” (2004, p. 76 – grifo do autor). É preciso tratar os nossos semelhantes como gostaríamos de ser tratados e não como simples coisas, como simples meios para adquirirmos nossos desejos narcisistas, pois somente por meio de uma boa convivência poderemos receber aquilo que nos satisfaz realmente, o respeito, a amizade e o amor.
Referencias bibliográfica
TROMBETTA, Gerson L. Da estetização do mundo ao embrutecimento estético: notas sobre a relação entre experiência estética e educação. In: RIBAS, Maria A. C.; MELLER, Marisa C; RODRIGUES, Ricardo A.; GONÇALVES, Rita A.; ROCHA, Ronai P. (org.). Filosofia e ensino: a filosofia na escola. Ijuí: Unijuí, 2005. p. 229-242.
SAVATER, Fernando. Ética para meu filho. São Paulo: Martins Fontes, 2004.