sábado, 2 de maio de 2009

Como mentir dizendo apenas verdades



Gerson Luís Trombetta (gersont@upf.br)
Professor do curso de Filosofia e do PPG em História da UPF


De todas as fronteiras que separam um conceito de outro, sem dúvida a que se encontra entre a verdade e a mentira é uma das mais tênues e quase indefiníveis. São tantas as questões e sutilezas que aparecem quando queremos precisar tais conceitos que, não muito raro, simplesmente “entregamos os pontos” e dizemos coisas como “Ah, a verdade não existe” ou “Tudo é relativo e depende do ponto de vista”. Uma coisa, porém, é certa: precisamos admitir que algo verdadeiro existe. Se fosse verdade que “a verdade não existe”, então teríamos que concordar que a verdade existe, afinal acabamos de sustentar uma frase verdadeira. Estranho, não é? Quanto mais se procura negar a existência da verdade mais ela reaparece fortalecida pela porta dos fundos. Bom, se a verdade existe, resta saber o que ela é, ou, em outras palavras, resta saber o que faz algo (uma afirmação, uma teoria, uma história, etc.) ser verdadeiro. Aí os problemas ficam mais e mais complexos. As afirmações que fazemos, as teorias que propomos, as histórias que contamos, as explicações que construímos, guardam fortemente a marca de nossos interesses e inclinações. Quando narramos um acontecimento, por exemplo, preenchemos lacunas, acentuamos ou esquecemos detalhes, apontamos para ligações com outros fatos e assim por diante. Não há como desenharmos o acontecimento desconectando-o de nossos exageros e deficiências. O que fazemos, então, são composições. Organizamos narrativas de tal forma que façam sentido, que possam ser compreendidas pelos outros e, se estivermos dispostos a um pouco de honestidade, que possam também ser questionadas ou desmentidas. Pelo fato de serem composições, tais narrativas não se baseiam integralmente em dados objetivos e concretos. Existem esses dados, existem indícios concretos, mas é a composição que fascina, é o modo como a composição é feita e a direção para onde ela aponta que produz os efeitos mais fortes. Às vezes é até possível produzir uma composição falsa com dados inquestionavelmente verdadeiros. Para ilustrar essa estranha possibilidade proponho uma rápida visita à peça Otelo, de Willian Shakespeare. Iago, o personagem central da tragédia, é um dos mais infames vilões da história da literatura. Inteligente, simpático e egoísta, ele conhece profundamente a natureza humana, principalmente os seus recantos mais obscuros. Movido pela decepção de não ser nomeado tenente por Otelo, arquiteta um plano de vingança cuja essência é enlouquecer o mouro (Otelo) de ciúmes do rival Cássio. O vilão, valendo-se da confiança que Otelo deposita nele, vai construindo uma narrativa que explicita uma suposta ligação amorosa entre Desdêmona – mulher de Otelo – e Cássio. O desfecho da história é trágico, com Otelo matando Desdêmona e suicidando-se depois de saber que não havia adultério. O que gostaria de destacar dessa intrigante peça é o método como Iago procede para conduzir a trama e realizar o seu plano. Iago usa dois ingredientes básicos: indícios materiais, inquestionavelmente verdadeiros (as demonstrações públicas de amizade entre Desdêmona e Cássio, um lenço deixado no alojamento do oficial, etc.), e o ciúme de Otelo. O sentimento de Otelo alimenta-se da incerteza e da dúvida. Como não sabe se há realmente um caso de traição, o mouro vê seu ciúme crescer até explodir em violência. A composição trágica é, assim, formada por pequenas verdades (indícios materiais) que, nas mãos hábeis de Iago, são insistentemente repetidas e amalgamadas com o ciúme extremo de Otelo. Com pequenas verdades, astúcia e conhecimento da alma humana, Iago produz uma grande mentira e, finalmente, realiza a vingança. (Qualquer semelhança entre a saga de Iago e o que vemos na mídia, nos debates políticos, nos julgamentos e até nas práticas cotidianas, pode não ser mera coincidência).

A importância do diálogo no desenvolvimento de uma prática pedagógica ética

[1] Diego Bechi (diego_bechi@yahoo.com.br)
Professor de Filosofia

O presente texto pretende investigar um dos requisitos necessários para que o educador consiga desenvolver uma prática pedagógica ética. Será defendido neste texto a idéia de que o processo pedagógico, para ser ético, deve estar ancorado em uma metodologia democrática. Essa prática torna-se ética devido à liberdade dada ao aluno para que ele encontre por si mesmo respostas aos problemas a serem resolvidos, possibilitando-lhe o desenvolvimento de uma postura crítica e autônoma, dentro e fora da escola.
Nessa perspectiva, mesmo havendo uma certa diferença de papéis entre educador e educando, onde o primeiro possui de forma instituída poder em relação ao segundo, os educadores não devem se apresentar em sala de aula como autoridade incontestável, detentor de todo o conhecimento. O fato de o professor possuir maior autoridade em relação a seu aluno, não quer dizer que deva exercer sua função de forma autoritária. Ele deve respeitar a liberdade e a dignidade de seus alunos. A prática pedagógica deve ser integradora e libertadora rumo ao progresso e realização do homem. Assim, a educação torna-se também um ato político, pois, nesta perspectiva, o trabalho educativo é essencialmente político quando é transformador.
Tendo em vista isso, há a necessidade de se estabelecer um processo dialógico em sala de aula, pois é por meio de uma prática dialógica que será possível desenvolver nos participantes a capacidade de posicionar-se criticamente diante das exigências da sociedade atual. Essa, por sua vez, vem permeada de acontecimentos e informações, na maioria das vezes disseminadas pela mídia, as quais buscam iludir e direcionar os sujeitos a um determinado fim. Com o poder exercido pelos meio meios de comunicação, somados à grande facilidade em receber informações referentes aos diferentes campos do saber, muitas pessoas estão tornando-se incapazes de refletir sobre os fatos que as cercam. Num contexto como esse, as pessoas ficam à mercê de ideologias que, de alguma forma, vêm a torná-las alienadas e submissas à suas forma de pensar e aos seus interesses.
Para isso, é necessário superar o senso comum, onde as informações são automaticamente assimiladas pelo sujeito, assumindo uma postura crítica e reflexiva sobre as mesmas. Em vista disso, a educação deve ajudar o aluno a compreender as artimanhas dos discursos enganadores. Os sujeitos devem ser capacitados para que possam questionar e interagir criticamente com os acontecimentos e informações deparadas no dia-a-dia. Contudo, os educandos não devem ser vistos como meros receptores de informações, e sim como agentes ativos na construção de seus próprios conhecimentos.
A educação é, neste caso, condição para o desabrochar das potencialidades dos sujeitos, desenvolvendo, nos mesmos, capacidade que cada homem ter de buscar ser mais. Isto é, de reconhecerem-se como homens em sua vocação ontológica e histórica de humanização. Reconhecer que seus conhecimentos e o dos outros não são auto-suficientes e únicos, que é preciso deixar de aceitar tudo de forma passiva como verdadeiro, tornando-se mais crítico e reflexivo em relação aos problemas que o envolvem.
No processo pedagógico, tem-se a educação como um ato político que deve ser necessariamente humanizador, e isso somente é possível por meio de uma prática pedagógica democrática. A educação baseada apenas na memorização de conteúdos não prepara os alunos para serem sujeitos ativos no mundo, mas o transforma em mero espectador ou imitador desse. Ela não sujeita ao educando a possibilidade de criar, construir, admirar e aventurar-se. Porém, num processo democrático, desenvolvido por meio de uma prática dialógica, os alunos possuem liberdade e são instigados a se expressar, criticar, problematizar e comparar opiniões, desenvolvendo neles a capacidade de pensar por si mesmos. Essa metodologia ao ser executada, além de resultar em um ato político, pois direciona o sujeito à sua humanização, também dispõe de uma formação ética por parte do professor.

[1] Resumo do artigo proferido por Diego Bechi no CONGRESSO INTERNACIONAL DE FILOSOFIA: DEBATES DE IDÉIAS E CIDADANIA, no VIII SIMPÓSIO SUL BRASILEIRO SOBRE ENSINO DE FILOSOFIA: FILOSOFIA, FORMAÇÃO DOCENTE E CIDADANIA e no X ENCONTRO DE CURSOS DE FILOSOFIA DO SUL DO BRASIL, realizado no período de 14 a 16 de maio de 2008 em Caxias do Sul.